A série Silent Hill tem muitos fãs. Sim, não são tantos como os de Resident Evil. Mas, após o lançamento de Silent Hill 2 Remake, tornou-se claro quantas pessoas se preocupam com os jogos de terror da Konami. Tanto aqueles que jogaram o original como aqueles que tocaram na série graças ao remake. O autor destas palavras pertence a estes últimos.
A editora japonesa e os criadores da Bloober Team fizeram o seu melhor para atrair um novo público para a série. Três dias após o lançamento, a circulação do jogo ultrapassou um milhão de cópias. E, a julgar pelas avaliações (tanto dos críticos como dos jogadores), o jogo de terror está a sair-se muito bem…
Perante este cenário, não há qualquer desejo especial de ser um resmungão, insatisfeito com estas ou aquelas nuances. Ainda assim, gostaria de partilhar a minha própria opinião sobre o jogo.
A cidade que não existe
Muitos fãs do original notaram que a Bloober Team recriou na perfeição a atmosfera do horror. Isto aplica-se aos efeitos visuais e sonoros, à cidade e às cenas com as personagens. Sem sentir qualquer nostalgia, confirmo: o remake foi bem sucedido neste aspeto. Mas sobretudo – mesmo que seja subjetivo – graças à música e à componente áudio em geral.
Se no início se vagueia por Silent Hill, temendo uma possível ameaça vinda de todo o lado, com o tempo essa sensação desaparece: as imagens locais, os inimigos e o ambiente tornam-se aborrecidos. Habituamo-nos aos monstros, aborrecemo-nos com a devastação, a escuridão deixa de ser perturbadora e o mundo em ruínas à nossa volta não é tão assustador como poderia parecer.
Mas o que nos assusta e cria o ambiente certo até ao fim é o som. Aqui devemos agradecer ao lendário Akira Yamaoka e aos criadores, que criam desconforto não só com gritos, mas também com pressão, rangidos, gritos arrepiantes algures ao longe, e até mesmo palavras estranhas que de repente perfuram o silêncio ou enfatizam a loucura em curso.
Literalmente: estás a andar pelo edifício, a abrir portas em busca de algo útil (sobretudo kits de primeiros socorros e munições) e, na sala ao lado, uma voz misteriosa pronuncia uma frase sinistra. A primeira vez que uma coisa destas nos deixa boquiabertos, olhamos em volta e tentamos perceber… Em vão tentamos perceber o que acabou de acontecer. E segues pela estrada pavimentada de miséria.
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Silent Hill como cidade é convidativa – muito convidativa. Chama por nós, pede-nos para saborear as histórias locais e a dor das pessoas que encontramos. Há que dar crédito aos criadores e aos actores (especialmente aos actores!): as personagens que criaram no remake são impressionantes.
As personagens secundárias em Silent Hill 2 enfrentam problemas que não conseguem resolver sozinhas. E depois vem o nosso herói James, que foi trazido para estas paragens pela má sorte. Desejando encontrar a sua falecida esposa, que lhe enviou uma carta, o protagonista encontra aqueles que estão cheios de medo, raiva ou descuido. Aqueles que estão destinados a morrer ou a enlouquecer (ou talvez já o tenham feito?) se nada for feito.
Todas as personagens que encontramos – especialmente Angela e Eddie – reflectem realidades horríveis que não mudaram nos últimos anos. Os temas que os autores originais levantaram em tempos continuam a ser relevantes hoje em dia. Silent Hill está repleto de violência. Fobias e horror que se repercutem em nós – o jogador e o herói do jogo. Observamos e ouvimos e, por vezes, não conseguimos encontrar as palavras.
Nevoeiro
A perceção do remake de Silent Hill 2 não muda apenas devido à diminuição da sensação de ameaça. Por exemplo, o nevoeiro, inicialmente alarmante, acaba por se tornar o análogo local do maravilhoso tempo solarengo. E os corpos dos monstros espalhados por todo o lado só nos deixam felizes, encorajando-nos a atingi-los ocasionalmente com um cano, só por precaução. Para garantir que não se levantam. Ou podem levantar-se…
Por falar em inimigos. Habituamo-nos rapidamente aos seus ataques e comportamentos. E as batalhas tornam-se rapidamente rotineiras. Se vires um movimento percetível do inimigo, saltas. Depois disso, acertas com um cano ou, para não perder tempo, disparas na cabeça ou no seu análogo. E alguns deles aprendemos a não os deixar aproximarem-se: alguns deles são suficientes para usar uma pistola, outros – um par de tiros de caçadeira, e alguns deles são mais fáceis de disparar com uma espingarda.
No final do jogo, na dificuldade média, terás provavelmente muitas munições (bem como medicamentos). Se explorares o terreno e examinares as caixas, é claro. A dada altura, o jogador recebe muito mais do que gasta. E gastar não é necessário em 80% das vezes. O cano ajuda.
Os bosses não eram particularmente difíceis no final. Ambas as minhas mortes durante a passagem estavam diretamente relacionadas apenas com o Pyramid Head. Todos os outros – no meio ou no fim – são derrotados à primeira tentativa. Sim, é um nível de dificuldade normal, mas mesmo assim eu teria gostado de um desafio maior. Especialmente no final.
Mas o que se mantém constante ao longo de todo o jogo é a sensação de desconforto. Parece um remake de um dos pilares do género. E nem sequer tem a ver com a atmosfera. É mais sobre o sentimento de solidão. O jogador moderno habituou-se a companheiros e personagens que, simplesmente pela sua existência e frases curtas, provam que a vida continua. Não se está sozinho. Está tudo bem. O jogador fica insanamente feliz mesmo com os unicums que falam por enigmas ou dizem disparates. Pelo menos eles estão lá!
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No mesmo Alan Wake 2, em Dark Abode, o protagonista encontra de vez em quando o xerife Tim ou a zeladora Ahti. Sim, ambos não estão bem. Mas é tão bom ouvir as vozes de pessoas vivas, o seu canto… Silent Hill 2 tem uma falta catastrófica de vida. E é realmente esmagadora. Sim, é assim que foi concebido, é assim que deve ser. Mas como é difícil andar por aí e não ouvir vozes humanas, animais ou o ruído habitual do dia a dia durante muito tempo.
Quando estava a jogar o remake, carregava periodicamente na pausa para tirar os auscultadores e sair do jogo. Para voltar a ouvir os meus entes queridos ou para fazer algo mundano. E, de cada vez, era muito difícil regressar a Silent Hill 2. Não por causa de um eventual medo. Apenas pela constatação do vazio e da solidão que nos esperam (salvo raras excepções).
Por isso, no final, posso dizer com segurança que o remake não é tão assustador quanto desconfortável. Simultaneamente apelativo e repulsivo. Tanto pelo desconforto psicológico como pela jogabilidade monótona e não muito excitante.
O que no início era motivo de ansiedade – a necessidade de ir para o desconhecido, explorar o mundo e lutar – depressa se torna uma rotina aborrecida.
Atividade cerebral
Mas os puzzles em Silent Hill 2 quase nunca são aborrecidos. Sim, não há nada de invulgar aqui, mas tudo o que está disponível é feito de forma agradável, compreensível e bem feita. Lemos notas, procuramos objectos, por vezes combinamo-los, encontramos as combinações certas… Quase todos os puzzles são resolvidos da forma mais simples, e algumas vezes é mais fácil abrir uma fechadura de código ou uma passagem pela força bruta mais trivial.
Por vezes, os enigmas parecem mais complicados do que realmente são. Mas, na maioria dos casos, as pistas para a sua solução estão perto do local misterioso. Há também momentos em que é necessário recorrer à lógica, o que exige uma parte ligeiramente diferente do cérebro.
Mas o puzzle mais memorável para mim foi o quiz, que testa o jogador sobre o grau de atenção com que olhou à sua volta, leu e ouviu. É verdade que, na altura em que fui questionado, já me tinha esquecido completamente do que tinha acontecido algumas horas antes. Por isso, procurei as respostas corretas na Internet.
Este mistério poderia ter sido ignorado, mas que bom que os criadores (tanto do original como do remake) estão a agradar aos jogadores atentos.